Depois de acompanhar a cotação do dólar nos últimos dias, a diretoria financeira da Baterias Moura disparou uma ordem para a área de exportação: os vendedores estão proibidos de procurar novos mercados no exterior. “Não dá para ampliar o leque de países que já atendemos. Só vamos vender para os clientes que já temos”, afirma Paulo Salles, vice-presidente. A companhia estava otimista com o mercado externo e projeta exportar um volume 50% maior de baterias este ano, mas os cálculos foram feitos com base no dólar entre R$ 1,72 a R$ 1,75. Os planos serão revistos na sexta-feira.
A mais recente valorização do real deixou aturdidos não apenas os executivos das Baterias Moura, mas exportadores de diversos setores e regiões do país. Por conta da crise nos Estados Unidos e do saldo comercial mais fraco, os empresários projetavam que o real perdesse valor ao longo do ano. Depois de reajustar preços para compensar as perdas cambiais de 2007, as empresas selaram contratos prevendo dólar entre R$ 1,75 e R$ 1,80. Ontem, a moeda americana fechou cotada a R$ 1,67.
“Não sei que dólar usar para fechar negócio. Qual é o piso?”, diz Danilo Marcon, diretor comercial da Cerâmica Vila Rica, empresa mineira que exporta 50% da produção. Ele conta que elevou em 12% os preços dos produtos na virada do ano, depois de prometer aos clientes que esse patamar se manteria durante um bom tempo. Fevereiro ainda não terminou e ele já tem que mudar os planos. A Vila Rica exporta para os países do Mercosul e também começou a vender recentemente para Rússia e Leste Europeu. “Mas estamos prestes a perder esses mercado, porque não temos preço”, diz o executivo.
Em 2007, o real se valorizou 20,3% em relação ao dólar. Desde o início do ano até ontem, a moeda brasileira subiu mais 6,3%. “Por mais pessimista, ninguém imaginava esse dólar”, diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Ele lembra que o dólar está caindo a oito dias consecutivos, apesar das notícias de que o Brasil registrou saldo negativo nas transações correntes em janeiro e que a balança comercial apurou seu primeiro déficit semanal.
A Coco Doce, fabricante baiana de moda praia e fitness, projetava dólar na casa de R$ 1,80. “Com crise nos EUA e um possível crescimento menor da China, cogitávamos até mesmo um valor perto de R$ 1,90”, diz José Augusto Vicente, diretor de comércio exterior. Como o período forte para suprir a demanda interna é no segundo semestre, a Coco Doce utiliza o início do ano para atender aos pedidos internacionais. “É uma forma de não deixar capacidade ociosa, uma opção à sazonalidade, que nos últimos anos, não tem dado tanto resultado”, diz. Há três anos, a empresa exportava 25% da produção. Hoje, apenas 15%.
A fabricante de máquinas gráficas Feva fechou contratos com o dólar a R$ 1,75 para produtos que ainda vai embarcar. Neste setor, o prazo de entrega chega a 120 dias. “O que já fechou não dá para voltar atrás, mas nos novos contratos vamos tentar negociar”, diz Mônica Vaders, diretora comercial. Ela ressalta, no entanto, que a margem de manobra é pequena, porque concorre com fabricantes argentinos e espanhóis. Na Argentina, o dólar está cotado a 3,10 pesos. A empresa reduziu drasticamente suas exportações, que cederam de 60% da produção em 2006 para 30% em 2007. Mônica diz que é difícil direcionar as máquinas para o mercado interno, por conta da concorrência dos chineses, mas é a única alternativa. A empresa está participando de feiras no Brasil.
Jóster Macedo, presidente da indústria de frangos Macedo, sediada em São José (SC), também foi surpreendido pela valorização mais forte do real ante o dólar. A projeção da empresa para o ano era de um dólar médio de R$ 1,78. “Vamos agora revisá-la para entre R$ 1,60 e R$ 1,70”. A Macedo obtém 55% de seu faturamento no exterior e vende frangos para lugares como Hong Kong e África do Sul. Jóster diz que todas as valorizações do real vêm sendo compensadas com reajuste de preços em dólar, com a empresa negociando cliente a cliente. “Vamos tentar repassar mais uma vez a situação. É uma meta, mas não uma certeza de que conseguiremos”, diz ele.
O novo declínio do dólar está levando a fabricante mineira de calçados Spatifillus a deixar de lado seus planos de exportação. “Não conseguimos ser competitivos”, diz o diretor comercial, Gilson Oliveira. A indústria chegou a exportar 20% da produção, o equivalente a uma receita de US$ 1 milhão, mas viu as vendas externas caírem no último ano. “Estamos fazendo exportações esporádicas, mas vender no mercado externo deixou de ser estratégico”, diz o diretor. Segundo ele, as consequências não serão piores, porque está havendo uma pequena melhora no mercado interno. A Spatifillus, que produz 30 mil pares de sapatos por mês, viu suas vendas subirem 4% no mercado interno em 2007.
Para driblar os problemas provocados pela valorização do real, as companhias brasileiras utilizam duas estratégias: aumentar o percentual de insumos importados e direcionar a produção para o mercado interno, que está aquecido. Salles, da Baterias Moura, diz que o fato de uma das principais matérias-primas, o chumbo, ser importada, ajuda na hora de exportar. O consumo interno forte, puxado pela alta na comercialização de carros novos, também é um dado positivo. No ano passado, o mercado interno consumiu 17% mais baterias em relação a 2006.
O presidente da Intelbras, Altair Silvestri, diz que a situação cambial “preocupa um pouco”. A empresa importa 85% dos componentes e a valorização do real reduz seus custos de produção. O executivo ressalta, no entanto, que a concorrência no Brasil é forte com produtos que vêm prontos do exterior, principalmente do mercado asiático, que ficarão mais competitivos do que a própria Intelbras com a situação cambial. O principal mercado da empresa é o interno. A Intelbras estimava para o ano um dólar médio de R$ 1,75.
O diretor de relações com investidores da Teka, Marcello Stewers, diz que mesmo com o câmbio rompendo o valor de R$ 1,70, e o real valorizando-se ainda mais ante o dólar, a Teka não deve revisar o volume de exportações previsto para o ano, estimado em cerca de 20% do faturamento total, mesmo patamar exportado em 2007. A explicação para manter as exportações é a dificuldade em direcionar toda a produção ao mercado nacional, que está mais concorrido. “Não tenho como colocar essa produção no Brasil. O mercado não agüentaria o volume”, diz Stewers. “Reajuste de preços em dólar vai continuar sendo feito, mas não é todo cliente que aceita. Sempre se perde alguma coisa”, completa.
Com as medidas tomadas até agora, a Teka está reduzindo os prejuízos na exportação, mas ainda não chegou ao lucro. Stewers acredita que o câmbio vai continuar caindo. “Não se trata de uma questão brasileira. Em outros países ocorre o mesmo”, diz. Depois da evolução do câmbio nos últimos dias, é provável que o pessimismo tome conta do setor exportador e mais empresários comecem a pensar da mesma maneira.
Fonte – Valor Online