As indústrias devem ser afetadas pelo intenso crescimento dos custos da matéria-prima no mercado internacional, alerta um estudo realizado pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) e divulgado ontem, pelo presidente da entidade, Paulo Tigre. O aumento do preço das commodities (agrícolas, metais e energia) é o principal fator de risco para a inflação registrada no mundo chegar ao Brasil.
“Os choques de inflação ainda não foram dissipados e devem implicar maiores custos de produção no setor industrial brasileiro”, afirma Tigre. A intensidade dos reajustes mundiais dos preços dos metais, da energia e dos produtos agrícolas, as principais commodities compradas pelas indústrias, nos últimos quatro anos, foram de 24%, 145% e 208%, respectivamente. Entre os principais fatores estão as novas finalidades no uso da terra, a perda do valor do dólar, o crescimento econômico dos países emergentes, a incapacidade de aumentar a oferta de matéria-prima no curto prazo e os problemas climáticos.
“Há uma defasagem de custos das matérias-primas no Brasil. Durante algum tempo, a taxa de câmbio no País conseguiu segurar os valores. Porém, esse cenário não irá perdurar no médio prazo”, explica o presidente da Fiergs. Diante desse cenário, Tigre adverte para a possível redução de margens de lucro no setor, o que deve ter como conseqüência uma menor capacidade de investimentos.
O levantamento aponta três importantes fontes de inflação futura que devem atingir a indústria nacional: energia (petróleo, carvão, gás natural), metais (alumínio, cobre, minério de ferro, chumbo, níquel, zinco) e agrícolas (milho, soja, trigo, arroz).
O principal componente de choque inflacionário no segmento energético é o petróleo. As razões para o rápido crescimento do preço deste produto são a estabilidade cambial, a presença de especuladores (mercados futuros), a falta de elasticidade da oferta (maiores custos do investimento via preço dos metais) e da demanda (o preço maior não impediu o avanço do consumo).
“A energia tem sido um insumo cada vez mais pesado para a indústria de transformação de plástico”, afirma o presidente da Doormann Embalagens Plásticas, Hugo Doormann. Ele acrescenta que muitas vezes as empresas do setor não conseguem repassar o custo para o produto final. Uma das soluções para amenizar esse impacto, segundo Doormann, é o uso de máquinas mais eficientes que consomem menos energia.
Já quanto aos metais, o aumento está fortemente associado ao crescimento da demanda, especialmente na China e na Índia, além da correção da perda de valor do dólar, falta de ampliação da oferta e aumento da renda per capita.
Na questão agrícola, a expansão dos preços é ocasionada pela relação entre oferta e demanda, aumento do consumo em países emergentes, falta de elasticidade da oferta no curto prazo, entre outros.
O diretor-executivo do Sindicato da Indústria do Arroz no Estado do Rio Grande do Sul (Sindarroz-RS), Cézar Gazzaneo, acrescenta que a alta do preço do arroz no mercado internacional, por exemplo, também foi resultado da redução de exportações de países como China, Índia e Tailândia.
Escalada dos preços está
concentrada em 20 itens
Os principais vilões da inflação em 2008 são velhos conhecidos dos consumidores brasileiros e atendem pelo nome de refeição fora de casa, colégios, pão francês e aluguel. Segundo economistas, estes itens estão sendo reajustados porque a demanda aquecida abriu espaço para os repasses de aumentos de custos. Dos 384 itens pesquisados pelo IBGE para o cálculo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apenas 20 foram responsáveis por 1,84 ponto percentual, ou 63% da inflação acumulada de 2,88% de janeiro a maio deste ano.
Mais do que apenas culpada pela inflação corrente, de acordo com o economista da LCA, Rafael Castro e o ex-diretor de política monetária do Banco Central, Carlos Thadeu de Freitas, que atualmente chefia o departamento de economia da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a pressão desse grupo de itens traz consigo o perigo de contaminação da inflação futura.
Entre essas influências, o primeiro lugar ficou com a refeição fora de casa, com aumento acumulado de 6,43% e contribuição de 0,24 ponto percentual para a taxa acumulada no ano. Em seguida vêm os colégios (4,52% e 0,21 ponto); o pão francês (10,38% e 0,20 ponto) e o arroz (25,75% e 0,20 ponto).
“A demanda está sendo alimentada pelo crédito, que ajuda a elevar o poder de compra e está pressionando a inflação de todos esses produtos”, avalia Thadeu de Freitas. Segundo ele, o índice de difusão da inflação em 12 meses está subindo rápido e perigosamente e passou de 59% no IPCA de abril para 62% no índice de maio.
Para Rafael Castro, a demanda sanciona o repasse de preços. “Não significa que há ganhos de margem, mas as empresas estão tentando manter suas margens”, diz. Para ele, o cenário atual de repasse “vai começar a contaminar outros preços na economia daqui para frente”.
Os dois economistas, entretanto, contabilizaram de forma diferente os riscos de contaminação nas previsões para a inflação de 2009, sobre as quais estão debruçadas as atuais preocupações do Banco Central. Enquanto Thadeu de Freitas estima um IPCA de 4,9% para o ano que vem, já acima do centro da meta, de 4,5%, Castro ainda acredita que a inflação oficial no ano que vem poderá não ultrapassar os 4,5%.
Para o economista da CNC, a inflação iniciará 2009 em ritmo acelerado, após encerrar este ano em 6,4%, próxima do teto da meta de 2008 (6,5%). Os serviços, segundo ele, vão registrar taxa de 6% no ano corrente. “Os serviços estão subindo mais rapidamente, porque os alimentos pressionam esse grupo, já que interferem nos custos dos formadores de preços”, explica.
IGP-10 é o maior em cinco anos
As acelerações de preços no atacado e na construção civil foram determinantes para a alta da inflação medida pelo Índice Geral de Preços – 10 (IGP-10) de 1,52% em maio para 1,96% em junho, o maior nível desde fevereiro de 2003, quando o índice subiu 2,42%. De maio para junho, os preços no atacado subiram de 1,91% para 2,21% e, na construção civil, de 0,85% para 2,66%. A avaliação é do coordenador de Análises Econômicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Salomão Quadros. Nos últimos 12 meses terminados em junho, o indicador já subiu 12,71%, a mais elevada inflação desde novembro de 2003, quando o IGP-10 subiu 14,08%.
Meirelles diz que, na teoria,
IPCA pode superar teto da meta
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirmou ontem, em entrevista à TV Bloomberg, que na teoria a inflação no Brasil pode ultrapassar o teto da meta do governo, ou seja, 6,5% ao ano. A meta é de um IPCA de 4,5% ao ano, com dois pontos de tolerância para baixo ou para cima. “O Banco Central está atento e pronto para agir”, afirmou. Analistas de mercado consultados pelo BC na pesquisa semanal Focus já trabalham com a aposta de que o IPCA ficará em 5,8% neste ano. Sobre a taxa básica de juros, atualmente em 12,25%, o mercado espera que termine 2008 em 14,25%. “O mercado acha que é uma possibilidade menor superar o teto. Mas sempre existe, na teoria, esta possibilidade”, relatou Meirelles, destacando em seguida que o BC não faz projeções para a inflação isoladamente.
Sobre as medidas já tomadas para conter a inflação, principalmente o aumento da taxa de juros nas últimas reuniões, Meirelles disse acreditar que o efeito é imediato, mas que o pico do efeito será sentido no final deste ano e início do ano que vem. “Nós agimos e basicamente estamos dizendo ques se for necessário, agiremos novamente sempre que for necessário”, afirmou. “Não há dúvida de que o momento requer atenção e também ação.”
Fonte: Jornal do Comércio